Servidão Voluntária

Por Luciana Queiroz - Pedagoga da rede SME/Goiânia


Quando aumenta a repressão, muitos desanimam. Mas a coragem dele aumenta. Organiza sua luta pelo salário, pelo pão e pela conquista do poder. (Bertolt Brecht)

O autor do Discurso sobre a Servidão Voluntária, Étienne de La Boétie (1530-1563), traz nessa sua obra reflexões sobre a atitude que em geral optamos por adotar em nossas relações sobre os fatos políticos que nos cercam.

Em geral, nos custa muito sair de nossa zona de conforto e buscarmos compreender além da superficialidade daquilo que nos envolve.

No nosso dia-a-dia, notamos que muitas vezes nos deixamos iludir pelas manobras que as classes dominantes se utilizam para nos fazer crer que não é a hora, que estamos em crise, que até já fizeram o bastante por nós. E para que continuemos como que adormecidos, anestesiados e alienados da capacidade de pensar, ruminar os pequenos fatos cotidianos. Assim, nos deixamos envolver e nos regozijamos daquilo que é servido no banquete da distração de nossas necessidades. Os que se encontram no poder já observaram que nos contentamos com tão pouco e usam "os teatros, os jogos, as farsas, os espetáculos, as feras exóticas, as medalhas, os quadros e outras bugigangas [que] eram para os povos antigos engodos da servidão, preço da liberdade, instrumentos da tirania"(p.36).

Continuamos a reproduzir o que é esperado de cada um de nós, servos à mercê de um sistema capitalista-imperialista: qualquer tentativa de luta, diante de qualquer obstáculo já nos faz recuar, assustados e amedrontados. Afinal, temos nossas contas para pagar, melhor pingar do que secar e outros dizeres tão oportunistas quanto a maioria de pessoas que os utilizam. E cedemos, nem sequer raciocinamos sobre o que estão nos impondo. Temos Medo. E é o medo que nos comanda, cega e dita a caminhada a seguir.


As pressões chegam cada vez mais fortes, cruéis e ameaçadoras. São sussurradas de um para o outro, reproduzidas pela memória de quem foi oprimido a transmitir aos seus pares o que está sendo ditado. E cumpra-se. Convoquem reuniões, que soem os tambores, usem todos os meios para que fiquem sabendo que estão incomodando o poder estabelecido.

E vemos que para se livrar de uma punição pessoal e individual, muitas pessoas recorrem à obediência: transmitem aquilo que está sendo imposto, acreditando ser sua única saída. Será?

Para La Boétie, "Os que giram em volta do tirano e mendigam seus favores, não se poderão limitar a fazer o que ele diz, têm de pensar o que ele deseja e, muitas vezes, para ele se dar por satisfeito, têm de lhe adivinhar os pensamentos. Não basta que lhe obedeçam, têm de lhe fazer todas as vontades, têm de se matar de trabalhar nos negócios dele, de ter os gostos que ele tem, de renunciar à sua própria pessoa e de se despojar do que a natureza lhes deu. Têm de se acautelar com o que dizem, com as mínimas palavras, os mínimos gestos, com o modo como olham; não têm olhos, nem pés, nem mãos, têm de consagrar tudo ao trabalho de espiar a vontade e descobrir os pensamentos do tirano. Será isto viver feliz? Será isto vida? Haverá no mundo coisa mais insuportável do que isto? Não me refiro sequer a homens bem nascidos, mas sim a quem tenha o sentido do bem comum ou, para mais não dizer, cara de homem. Haverá condição mais miserável do que viver assim, sem ter nada de seu, sujeitando a outrem a liberdade, o corpo, a vida? Fazem tudo o que fazem para ganharem fortuna... Como se pudessem ganhar alguma coisa de seu, quando da sua própria pessoa não podem dizer que seja sua" p. 49.

Onde está escrito que temos que desistir de lutarmos por nossos direitos? Quem determinou que assim seja? Enquanto não questionarmos e enfrentarmos o medo que nos corrói, continuaremos a correr assustados a cada vez que um vento contrário bata em nosso rosto. É preciso fortalecermos uns aos outros, sem culpas, sem acusações. Enquanto perdemos tempo em saber do lado de quem esse ou aquele está, baixamos a guarda, enfraquecemos nossas certezas. É fundamental que estejamos participando e vivendo com a maior intensidade possível o hoje, o agora, aprendendo e caminhando, lutando e amparando aos que ainda estão vacilantes, que ainda se deixam abater pelas primeiras barreiras.

Que possamos sustentar uns aos outros, sem deixar que os nossos opressores nos usem em seus projetos. A capacidade de pensar por si mesmo e estar convencido de que lado eu vou escolher para continuar nessa caminhada é o que vai permitir que façamos nossa lição de casa, como seres críticos, reflexivos, que atuam para transformar a nossa sociedade. Assim, que tenhamos serenidade para conservar os companheiros de nossa estrada unidos num único objetivo: conquistarmos o respeito por nós, sem permitir que sejamos corporativistas, cerceando de alguns os direitos individuais que temos, embora nem sempre os conhecemos.

A amizade é uma palavra sagrada, é uma coisa santa e só pode existir entre pessoas de bem, só se mantém quando há estima mútua; conserva-se não tanto pelos benefícios quanto por uma vida de bondade. O que dá ao amigo a certeza de contar com o amigo é o conhecimento que tem da sua integridade, a forma como corresponde à sua amizade, o seu bom feitio, a fé e a constância (p. 53)

Que o cansaço dos meus dias não esmague a minha vontade de lutar pelos meus ideais e princípios, aprendendo e percebendo com clareza o caminho para dias melhores. Texto organizado por Antonio Oliveira


Acesse nosso grupo no WhatsApp: https://chat.whatsapp.com/JBJD6YZE0scBGAqHecmyD6
Conteúdo e Notícias
Leia a descrição

Inscreva-se



Instagram Siga nosso Instagram  

Curta a FanPage

Postar um comentário

Comentários