Abaixo a Crônica de uma Professora da rede de ensino de Goiânia, Siomar de Moura, que de forma análoga e com simbolismos, expressa o que temos vivenciado nos últimos dias:
"O Prefeito Rogério Cruz enviou para a Câmara municipal de Vereadores um projeto, ou melhor um necroprojeto, que se for aprovado, nós, os profissionais da educação estaremos aniquilados. Seremos apenas trabalhadores que executam suas tarefas e com a menor remuneração possível e sem nenhuma força política para lutar.
Então vamos ao fato, para impedir que o projeto fosse aprovado como está, durante a fala de alguns vereadores e vereadoras, escrevi nesta ordem de propósito, pois a CÂMARA é composta em sua maioria por homens, brancos e héteros, seguindo o sistema colonial e patriarcal.
Alguns manifestantes, dentre eles, professoras, professores e administrativos começaram a gritar palavras de ORDEM, do tipo: “PROPOSTA REJEITADA, NÃO DEVE SER APROVADA!”.
Eu não estava no auditório, devido a alguns problemas pessoais. Quando cheguei, já estava lotado. Então, fiquei na galeria, mas enfim, o que me chamou a atenção é que ouvi muitos comentários sobre estas atitudes.
Ouvi muitos colegas dizendo, “Nossa que horror! Como pode professores se comportarem desse jeito, não podemos ser violentos!", Ok, entendo que a maioria da categoria seja MULHER, e que nós mulheres fomos ensinadas a não ter direito de fala, temos que nos silenciar, saber se vestir, saber a hora de falar, não podemos falar palavrões e muito menos sentar em um bar e tomar uma cerveja DESACOMPANHADAS, precisamos de um MACHO para nos “proteger”...
Tudo isso se reflete na luta, temos medo, de gritar, de desobedecer, de denunciar a precariedade em que se encontram nossas instituições, dizer que nossas crianças de Escola Integral não tem o mínimo necessário para passar o dia todo, sentadas no espaço que a SME reservou para elas, UMA SALA 4X8M, onde estudam e fazem as refeições.
Até quando temos que nos silenciar e/ou só abrir a boca de forma “EDUCADA”, sempre para pedir... Me lembro de quando era criança de família pobre interiorana, muitas vezes por não ter o que comer, recorríamos as frutas da época, no caso a que mais tinha era goiaba e eu por vezes TOMEI dos meus irmãos mais novos uma goiaba, daquelas bem maduras e suculentas, tomava porque estava com fome, não dava para raciocinar, eu queria comer.
Relatar este episódio da goiaba é simplesmente para mostrar que quando temos fome ou sede de justiça, não dá para ficar pedindo temos que partir para cima, gritar, esbravejar, perder a “compostura”, sair do prumo.
Acharam violentos os gritos, as palavras de ordem. Mas, não acham violenta a forma que somos tratados pela SME desde o começo da pandemia. Também não acham violento a CÂMARA ser composta majoritariamente por homens brancos, héteros e “CRISTÃOS”. Homens que fazem, que falam muito de Deus e pouco vivem o evangelho.
EXU MATOU UM PÁSSARO ONTEM, COM UMA PEDRA QUE SÓ JOGOU HOJE. (Ditado Iorubá)
Escolhi a frase acima para dizer que é tudo para ontem, é para ONTEM; Nos libertamos das amarras, nos libertarmos desse sistema que nos oprime, nos libertarmos do machismo, nos libertamos do patriarcado, nos libertamos dos preconceitos e dos estereótipos.... Nos libertar a nós mesmos!
Vamos lembrar também de Sócrates, o filósofo, que viveu cinco séculos antes de Cristo. Ele costumava dizer aos seus discípulos que sua mãe era parteira, mas jamais conseguiu fazer vir a luz uma criança de uma mulher que não estivesse grávida, assim está nossa categoria, precisa primeiro estar gestante, para depois dar à LUZ!
Penso que a PEDRA que foi atirada por Exum, é nossa luta, no caso a GREVE, assim precisamos atirar pedras no pássaro que é todo este sistema opressor, que criminaliza a luta e permite que uma professora seja AGREDIDA e prendem outros professores para que possam servir de exemplo, e assim intimidar a categoria a desistir de lutar pelos seus direitos.
Lamentavelmente, a nossa categoria ainda não consegue arremessar uma pedra, pois não vê o PASSÁRO, só consegue enxergar as sombras que são vistas de dentro da caverna. Os poucos que se libertaram da caverna e, que conseguem ver e ouvir o pássaro, os quais se arriscam a atirar a pedra, são rechaçados por quem continua preso na caverna.
Me empolguei com essas analogias e simbolismos, esta é a forma de dizer que lamento profundamente a falta de consciência da nossa categoria, mas sigo acreditando que nem tudo está perdido e que um dia todos nós iremos enxergar o pássaro.
Vou terminar minha escrita com uma frase de NIETZSCHE: “Aqueles que dançavam foram chamados de loucos, por aqueles que não conseguiam ouvir a música!”.
Sigo por aqui dançando, no meu ritmo e na minha toada, na certeza que estou do lado certo, do lado dos meus pares.
E ainda, como diz BERTOLD BRECHT:
“Do rio que tudo arrasta se diz violento. Mas da margem que o comprimem, ninguém chama de VIOLENTA!”.
VAMOS PARA A LUTA CATEGORIA, É TUDO PARA ONTEM!!!"
A mulher guerreira não pode ter o recato medieval e submisso dos tempos imperialistas em que a subserviência ao modelo pragmático da boa moça da espaço ao desmando e ao rechaço machista.
Precisamos das mulheres audazes, fortes e destemidas para lutar por seus direitos. E hoje a luta das professoras precisam de voz, suas falas e seus gritos precisam ecoar nos corredores da Câmara, nos salões, no plenário da casa do povo. Precisamos de muitas Carolinas, Marias, Lucianas, Julianas e Siomars, saiam da sombra a lutar!
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